Atualmente, observa-se cada vez mais a existência no
contrato de franquia de uma cláusula
prevendo que a solução de futuros conflitos se dará por meio de
"Arbitragem", em vez do "Judiciário". Trata-se da chamada cláusula compromissória, ou arbitral.
A cláusula compromissória
é aquela em que as partes contratantes formalizam a vontade de submeterem à
Arbitragem divergências ou litígios
que eventualmente ocorram ao longo do desenvolvimento de uma relação de
franquia.
Então, efetuado esse tipo de ajuste, que só pode
ocorrer em hipóteses envolvendo direitos
disponíveis (ou seja, patrimoniais, como é o caso da relação de franquia),
ficam os contratantes, desde que capazes, vinculados
à solução de conflitos extrajudicialmente,
isto é, via Arbitragem, renunciando,
dessa forma, ao direito de se valerem inicialmente do Judiciário.
É isso mesmo! Ao constar do contrato a Arbitragem, os
contratantes inicialmente estão abrindo mão, desde que obviamente a mencionada cláusula seja válida, de debaterem
qualquer conflito atinente à relação de franquia no Judiciário.
Isto posto, faz-se a seguinte indagação:
Toda e qualquer cláusula compromissória existente
no contrato de franquia, prevendo a Arbitragem como a única via de solução de
futuros conflitos, é válida?
A resposta é não, uma vez que, para ser considerada
válida, a cláusula compromissória estabelecida em um contrato de franquia
deverá respeitar todos os requisitos legais que a cercam.
Mas, afinal, quais são os requisitos legais que a referida cláusula tem
de seguir?
Para responder a essa segunda
indagação, antes exige-se necessariamente identificar se o contrato de franquia
é de adesão ou paritário.
Os
contratos de adesão são aqueles onde não há a liberdade de convenção, ou seja,
são aqueles apresentados prontos para aceite e as pessoas que os aceitam aderem
às suas condições tal qual foram inseridas, não havendo a possibilidade de discutirem
ou modificarem o conteúdo das cláusulas previamente redigidas e impressas.
Por sua vez, os contratos paritários são aqueles em que as partes se encontram em igualdade para discutirem livremente os termos do ato negocial e fixarem as cláusulas e condições contratuais.
Dito isto, resta evidente que o
contrato de franquia é de adesão, em que pese o posicionamento contrário de
renomados juristas e estudiosos de direito.
Com todo respeito a esta
posição contrária, e sem a pretensão registre-se de esgotar o tema
especificamente neste artigo jurídico, a própria Lei de Franquia (lei 8.955/94)
e a natureza desse tipo de negócio revelam que a avença de franquia é sim
celebrada por adesão.
Ainda que tais informações devam ser enviadas ao futuro franqueado com antecedência mínima de 10 (dez) dias da celebração do contrato de franquia (vide art. 4º da citada lei), isso não significa que ele tenha liberdade para discutir ou modificar as cláusulas.
É certo que o franqueador já estabelece desde o início, sem qualquer participação desse futuro franqueado, todas as cláusulas padronizadas do contrato quando da entrega da COF, conforme determina o inciso XV do referido do art. 3º da lei e a própria essência desse tipo de relação negocial.
Assim sendo, o interessado a se
tornar futuro franqueado apenas terá
total liberdade para decidir, dentro desses 10 (dez) dias de antecedência, se
fará ou não parte do negócio, assinando um contrato de franquia padronizado e
imposto pelo franqueador.
Ora, defender o contrário disso
é com a devida vênia desconhecer a realidade deste segmento de negócio em que o
futuro franqueado não detém, salvo raríssimas exceções em que o franqueador
permite, nenhuma liberdade para discutir ou modificar as cláusulas contratuais.
Pois bem. Identificado que o
contrato de franquia é de adesão, conclui-se que, se existir uma cláusula
compromissória (ou arbitral), esta disposição deverá respeitar os requisitos
fixados pelo art. 4º, parágrafo 2º, da Lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem), que
diz:
Art. 4 (...).
§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia
se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar,
expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo
ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.
Como se vê, a cláusula compromissória somente será
válida se: a) o aderente, no caso o
franqueado, tomar a iniciativa de inseri-la no contrato, o que, diga-se de
passagem, não se observa na prática; ou
b) estiver inserida no "corpo" da avença com
o devido destaque, em negrito e com assinatura ou visto especialmente para essa
cláusula; ou ainda c) vir prevista em um documento anexo (termo),
contando com uma assinatura ou visto específico para essa cláusula.
É exatamente o que recentemente decidiu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial/SP nº 1602076 (2016/0134010-1), conforme julgado, publicado no DJe no dia 30 de setembro de 2016, que teve como relatora a brilhante Ministra Desembargadora Nancy Andrighi, e cuja ementa segue logo abaixo transcrita:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE FRANQUIA. CONTRATO DE ADESÃO. ARBITRAGEM. REQUISITO DE VALIDADE DO ART. 4º, § 2º, DA LEI 9.307/96. DESCUMPRIMENTO. RECONHECIMENTO PRIMA FACIE DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA "PATOLÓGICA". ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. NULIDADE RECONHECIDA. RECURSO PROVIDO.
1. Recurso especial interposto em 07/04/2015 e redistribuído a este gabinete em 25/08/2016.
2. O contrato de franquia, por sua natureza, não está sujeito às regras protetivas previstas no CDC, pois não há relação de consumo, mas de fomento econômico.
3. Todos os contratos de adesão, mesmo aqueles que não consubstanciam relações de consumo, como os contratos de franquia, devem observar o disposto no art. 4º, § 2º, da Lei 9.307/96.
4. O Poder Judiciário pode, nos casos em que prima facie é identificado um compromisso arbitral "patológico", i.e., claramente ilegal, declarar a nulidade dessa cláusula, independentemente do estado em que se encontre o procedimento arbitral.
5. Recurso especial conhecido e provido. (Sublinhou-se).
Portanto, a cláusula
compromissória inserida em um contrato de franquia que desrespeitar as regras
legais determinadas pelo art.
4º, parágrafo 2º, da Lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem) estará eivada de nulidade e poderá ser suprimida
pelo Poder Judiciário.
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Daniel Dezontini, advogado e sócio fundador do escritório Dezontini Sociedade de Advogados, pós-graduado na área de direito processual civil pela PUC/SP, especialista em direito contratual pelo Centro de Extensão Universitário (CEU) e ampla experiência na área de franchising, locações e direito contratual. Contato: daniel@dezontiniadvogados.com.br; Site: www.dezontiniadvogados.com.br; Blog: http://www.advogadoespecialistaemfranquias.blogspot.com.br