quinta-feira, 19 de outubro de 2017

FRANCHISING - PRINCIPAIS DOCUMENTOS JURÍDICOS PARA A SUA BOA ESTRUTURAÇÃO


O sistema de franchising exige alguns documentos jurídicos para bem formatá-lo e inseri-lo adequadamente no mundo do direito. É o que se passa a expor.



O art. 2º da Lei nº. 8.955/94 que regula esse setor econômico o define como sendo aquele “pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício”.

Os arts. 3º e 4º do mesmo diploma legal estipulam, por outro lado, que tal relação de franquia deve ser precedida de um documento jurídico denominado “Circular de Oferta de Franquia” (COF), escrito em linguagem clara, acessível e transparente, o qual deve conter uma série de informações para esse tipo de negócio ser considerado válido e ainda ser entregue “ao candidato a franqueado no mínimo 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou ainda do pagamento de qualquer tipo de taxa ao franqueador ou a empresa ou pessoa ligada a este”, sob pena de esse franqueado poder futuramente “arguir a anulabilidade do contrato e exigir devolução de todas as quantias que já houver paga ao franqueador ou a terceiros por ele indicados, a título de taxa de filiação e royalties, devidamente corrigidas, pela variação da remuneração básica dos depósitos de poupança mais perdas e danos”.

Além disso, consoante o art. 6ª desta mesma legislação, “o contrato de franquia a ser celebrado entre o franqueador e franqueado deve ser sempre escrito e assinado na presença de 2 (duas) testemunhas, possuindo plena validade independentemente de ser levado a registro perante cartório ou órgão público”.

E não é só, o referido contrato de franquia também deve ser amplo, escrito em linguagem simples e clara, e ainda guardar estrita homogeneidade com a COF, desta última não destoando.

Por fim, embora não obrigatório, o franqueador pode se servir de outro documento jurídico não menos importante, o qual sucede a COF e precede o contrato de franquia, possibilitando melhor controle quanto à localização do ponto comercial, à abertura das unidades franqueadas, ao treinamento inicial dos franqueados e seus funcionários, entre outras coisas.

Trata-se do "pré-contrato de franquia", o qual costuma ser de curta duração, por prever um prazo determinado de vigência que varia de 1 (um) a 3 (três) meses, e regula todos os direitos e obrigações das partes no período pré-inaugural do negócio franqueado.

Assim, com base na mencionada documentação jurídica é possível deduzir as seguintes características gerais do sistema de franchising, a saber:


(i) A COF constitui poderosa salvaguarda de interesses, tanto do franqueador, que futuramente poderá se abster de eventuais acusações de ter ocultado informações vitais ao franqueado, como para este último que poderá invocar, caso não seja bem-sucedido na operação, omissão de informações importantes, por parte do franqueador, se for o caso;

(ii) O contrato de franchising deve ser firmado, por escrito, entre o proprietário (ou detentor dos direitos) da marca e do Know-how do negócio (franqueador) e o empresário (franqueado) disposto a investir capital para operar uma unidade, dentro dos estritos padrões estabelecidos pelo primeiro;

(iii) O franqueado e o franqueador não são sócios e têm entre si uma relação jurídica “horizontal”, isto é, de cooperação, não existindo vínculo empregatício entre eles e tampouco entre o franqueador e os empregados do franqueado;

(iv) O contrato de franchising é oneroso e bilateral: o franqueador tem a obrigação de ceder a marca e treinar o franqueado na operação, devendo colocar à disposição deste toda a documentação técnico-operacional necessária; o franqueado, por sua vez, deve pagar uma taxa de adesão (“taxa de franquia”) para entrar no sistema, royalties (porcentagem sobre o faturamento ou valor fixo mensal) e taxa para o fundo de publicidade (também calculado como percentagem sobre o faturamento ou valor fixo mensal);

(v) Entre os franqueados não existe, em princípio, nenhuma relação jurídica em virtude do contrato de franchising, os quais podem organizar-se em associações de uma mesma bandeira, tanto para facilitar os entendimentos da rede como o franqueador como para desenvolver atividades conjuntas, como compras de insumos e ações de marketing da rede; e

(vi) O pré-contrato de franquia, apesar de não ser obrigatório, é um instrumento jurídico importante e que pode ser usado antes ainda do contrato definitivo de franquia, pois quando assinado pela partes permite um maior controle do negócio franqueado por parte do franqueador antes ainda de sua inauguração.


É exatamente em razão destas peculiaridades que se afirma hoje em dia que o sistema de franchising vem apresentando magnífico desempenho em escala global, embora também seja comum tanto o fechamento de unidades franqueadas quanto a saída de redes franqueadoras do mercado.

Registre-se que boa parte das dificuldades deste segmento empresarial advém, dentre outros fatores, do fato de o franqueador não conhecer tão bem o mercado quanto imagina, e/ou de o franqueado não se dedicar suficientemente ao negócio, e/ou de a concorrência ser hoje em dia muito acirrada levando a uma busca incessante de novas ferramentas de gestão, de criação de estratégias de marketing cada vez mais eficazes, de redução de custos e de aumento de eficiência em todas as etapas da cadeia produtiva.

Logo, todas as pessoas atuantes no setor de franchising devem dar importância não só a documentação jurídica necessária para a sua boa formatação como também a esses entraves mercadológicos.


Daniel Dezontini (daniel@dezontiniadvogados.com.br), advogado e sócio fundador do escritório Dezontini Sociedade de Advogados (www.dezontiniadvogados.com.br), com ampla experiência na área de franchising e demais segmentos de varejo, locações, direito contratual em geral e processo civil.

Site: www.dezontiniadvogados.com.br;

Blog: https://advogadoespecialistaemfranquias.blogspot.com.br/

terça-feira, 18 de abril de 2017

FRANQUIA: O QUE PODE OCORRER SE EXISTIR NO CONTRATO A PREVISÃO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS VIA "ARBITRAGEM" E MESMO ASSIM VOCÊ OPTAR PELO "JUDICIÁRIO"?



Hoje em dia, tem sido cada vez mais comum existir no contrato de franquia uma cláusula prevendo que a solução de futuros conflitos se dará por meio de "Arbitragem", em vez do "Judiciário". Trata-se da chamada cláusula compromissória, ou arbitral.

A partir disto, indaga-se: Você sabe o que isso significa e repercute na prática, caso surja futuramente algum conflito entre o franqueador e o franqueado que esteja relacionado ao contrato?

Tal cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes formalizam sua vontade de submeter à Arbitragem eventuais divergências ou litígios passíveis de ocorrer ao longo do desenvolvimento da avença de franquia.

Então, efetuado esse tipo de ajuste, que só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis (ou seja, patrimoniais, como é o caso da relação de franquia), ficam os contratantes, desde que capazes, vinculados à solução de conflitos extrajudicialmente, isto é, via Arbitragem, renunciando, dessa forma, ao direito de se valerem inicialmente do Judiciário.

É isso mesmo! Ao optarem pela Arbitragem na avença, os contratantes inicialmente abrem mão, desde que obviamente a mencionada cláusula seja válida, de debater qualquer conflito atinente à relação de franquia no Judiciário.

Pode parecer estranho, mas é este o efeito principal da citada cláusula, já há muito tempo reconhecido pelos Tribunais do país e pela legislação nacional.

Inclusive, o novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor 18 de março de 2016, fez questão de considerar a Arbitragem como uma jurisdição no Direito Brasileiro, de acordo com o que prevê o seu parágrafo primeiro do artigo 3º.

E não se pode esquecer que a Arbitragem já vinha sendo antes regulada por legislação própria, qual seja, a Lei nº 9.307/96, com as atualizações feitas pela Lei nº 13.129/15, submetendo-se subsidiariamente às normas do Código de Processo Civil.

Por consequência, pode-se afirmar com tranquilidade que as duas jurisdições, a saber, estatal (Judiciário) e privada (Arbitragem), apesar de regidas por regras distintas (respectivamente, por normas processuais civis e lei extravagante), convivem em total harmonia, sem confusão, já tendo também sido constitucionalmente consolidadas.

De qualquer modo, deve ficar claro que os juízes e desembargadores não estão autorizados a revisar o mérito das decisões proferidas pelos árbitros, servindo o Judiciário apenas para promover a execução das sentenças arbitrais, ou examinar eventual nulidade observada nestas, mas jamais, repita-se, um ente estatal poderá examinar o mérito de um pronunciamento arbitral.

Isto posto, faz-se adiante a indagação que serve de inspiração ao título deste artigo jurídico, qual seja: E se mesmo existindo no contrato de franquia uma cláusula compromissória prevendo a Arbitragem, uma das partes contratantes optar pelo Judiciário?

O novo Código de Processo Civil ajuda, felizmente, com a resposta a esta pergunta, ao determinar, como novidade, em seu artigo 337, inciso X, que o Réu de uma ação judicial deve na contestação, e antes ainda de discutir o mérito (ou seja, preliminarmente), alegar a existência no contrato de franquia de uma cláusula compromissória prevendo a solução de conflitos via Arbitragem.

E tal legislação vai mais longe ao prescrever nos parágrafos quinto e sexto do mesmo artigo 337 que o juiz não pode conhecer de ofício, ou seja, espontaneamente, desta matéria.

De toda sorte que, mostra-se realmente necessária a manifestação do Réu, na primeira oportunidade que lhe couber falar no processo judicial, sobre a existência no contrato de franquia da referida cláusula compromissória para que daí sim o juiz possa se manifestar a esse respeito.

Com efeito, caso não o faça, o silêncio do Réu será considerado ao mesmo tempo como aceitação por parte dele da jurisdição estatal (Judiciário) e renúncia ao juízo privado (Arbitragem) estabelecido no contrato de franquia.

Em outras palavras, se o Réu não invocar na contestação, preliminarmente, a existência no contrato de franquia da aludida cláusula compromissória, haverá o que se chama de "preclusão" e o conflito existente será julgado pelo Judiciário, e não mais via Arbitragem.

Por outro lado, caso o Réu faça esse tipo de manifestação, o juiz poderá acolhê-la e conseqüentemente ordenar a extinção do processo judicial, sem resolver o mérito da questão, de acordo com o que apregoa o inciso VII, do art. 485 do novo Código de Processo Civil.

Logo, extinto o processo judicial sem julgamento de mérito, restará ao Autor que violou a cláusula compromissória existente no contrato ao optar inicialmente pelo Judiciário, se ainda quiser e o seu direito obviamente não estiver prescrito, tentar solucionar o conflito apenas no juízo arbitral, juízo este que tentou sem sucesso evitar anteriormente.

Isso porque, a cláusula compromissória estabelecida em contrato de franquia é, desde que respeitados os requisitos legais que a cercam, válida e cogente.

Assim, se uma das partes contratantes desobedecer essa disposição contratual, e propor uma ação perante o Poder Judiciário, caberá a outra parte alegar esse descumprimento contratual, demonstrando ao juiz, a existência dessa convenção, para que o processo judicial aberto possa, havendo acolhimento desta manifestação, ser extinto sem julgamento de mérito, arcando aquele que deu entrada na demanda judicial com todas as despesas processuais daí decorrentes.

Outra hipótese relacionada ao tema que também está prevista no mesmo inciso VII, do art. 485, e pode fazer com que o juiz decrete a extinção do processo judicial sem resolução de mérito, é se o próprio árbitro já tiver reconhecido a sua competência para julgar o conflito existente entre franqueador e franqueado.

Por tudo isso, se existir cláusula compromissória no contrato de franquia pense bem antes de violá-la e optar por solucionar um conflito pelo Judiciário, e consulte se possível um advogado especializado de sua confiança, a fim de buscar a melhor orientação e estratégia possível.



Daniel Dezontini, advogado e sócio fundador do escritório Dezontini Sociedade de Advogados, pós-graduado na área de direito processual civil pela PUC/SP, especialista em direito contratual pelo Centro de Extensão Universitário (CEU) e ampla experiência na área de franchising locações e direito contratual. Contato: daniel@dezontiniadvogados.com.br;

Site: www.dezontiniadvogados.com.br;

Blog: http://especialistaemfranquias.blogspot.com.br

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

É CORRETO EFETUAR O PROTESTO DE BOLETOS BANCÁRIOS REFERENTES AOS ROYALTIES?



Os integrantes da relação de franquia, em sua quase totalidade, não sabem se é válido ou não levar a protesto boletos bancários referentes aos royalties quando estes não são pagos no vencimento.

A conduta mais comum que se observa no dia a dia desse sistema de negócio é o franqueador emitir boletos bancários, em substituição de duplicatas, para efetuar a cobrança de royalties e depois protestá-los em caso de não ocorrer o tempestivo pagamento pelo franqueado.

A partir disto, surge a polêmica se tal prática é ou não legal.

Os boletos bancários são, exceto algumas restrições destacadas pelos mais renomados estudiosos do direito, considerados “duplicatas virtuais”, e nesse sentido já foram expressamente reconhecidos pelo artigo 889, parágrafo 3º, do Código Civil que em suma diz que "o título pode ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente".

Por consequência, pode-se até mesmo afirmar que os boletos bancários se situam hoje em dia dentre os documentos representativos dos títulos de crédito e, exatamente por conta disso, muitas pessoas acreditam ser possível emiti-los para qualquer tipo de hipótese em substituição às duplicatas, mediante mera indicação do credor por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados.

No entanto, tem-se considerado ilegal a conduta de emitir boletos bancários, em substituição às duplicatas, especificamente para a cobrança de royalties e depois levá-los a protesto quando não há o pagamento tempestivo.

É que, por ser um título causal, a duplicata somente pode ser emitida para representar um crédito decorrente de uma determinada causa prevista em lei, e não da simples vontade das partes interessadas, lei essa que é clara no sentido de que a duplicata apenas pode ser emitida em caso de COMPRA E VENDA MERCANTIL ou PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.

Assim, tendo em vista que o contrato de franquia não consta do rol da Lei n° 5.474/68 (Lei das Duplicatas), não é legal emitir o boleto bancário, em substituição à duplicata, para a cobrança de royalties e depois protestá-lo em caso de inadimplemento.

É o que preveem os artigos 1º e 20 da referida Lei n° 5.474/68, que dizem:

art. 1º - Em todo o contrato de compra e venda mercantil entre partes domiciliadas no território brasileiro, com prazo não inferior a 30 (trinta) dias, contado da data da entrega ou despacho das mercadorias, o vendedor extrairá a respectiva fatura para apresentação ao comprador.

art. 20 - As empresas, individuais ou coletivas, fundações ou sociedades civis, que se dediquem à prestação de serviços, poderão, também, na forma desta lei, emitir fatura e duplicata.

E não há mesmo como ser diferente, pois o contrato de franquia é realmente muito mais abrangente do que um simples contrato de compra e venda de mercadorias, ou de prestação de serviços, como bem indica o próprio conceito de franquia trazido pelo art. 2º da Lei 8.955/94 (Lei de Franquia) que revela que esse sistema de negócio costuma envolver:
  • o direito de uso de marca;
  • o direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços; e
  • o direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio.

Sobre o assunto, o Judiciário nacional já há algum tempo firmou entendimento de que é possível a declaração de nulidade de tais títulos e a sustação dos protestos de boletos bancários, emitidos em substituição às duplicatas e em função de royalties ou de outros contratos não mercantis, bem como a reparação dos danos morais oriundos desta ilegalidade:

Ação declaratória de inexigibilidade de título. Duplicata mercantil. Alegação de ausência de causa subjacente. Réu apelante sustenta o saque da duplicata para cobrança de royalties devidos em razão de contrato de fornecimento de produtos têxteis com utilização de marcas de times de futebol licenciadas pela ré. Incabível a cobrança de royalties por meio de duplicata mercantil dada a natureza causal do título, sendo possível o saque resultante de compra e venda mercantil ou prestação de serviço. Inteligência da Lei nº 5.474/68. Inexigibilidade da duplicata. Danos morais evidenciados em razão do protesto ilícito da duplicata mercantil. Sentença mantida. Recurso negado. (TJ-SP - Apelação nº 0021023-57.2011.8.26.0344, 13ª Câmara de Direito Privado. Relator: Francisco Giaquinto, Data de Julgamento: 03/09/2014, Publicado em 08/09/2014).

NULIDADE DA SENTENÇA. Ausência de fundamentação. Inocorrência Sentença que analisou adequadamente os pontos relevantes para o deslinde da controvérsia. Ausência de afronta ao artigo 93, IX, da CF e artigo 458, II, do CPC Preliminar rejeitada. DECLARATÓRIA. Duplicata Mercantil por indicação. Duplicata emitida para cobrança de “Royalties”. Inexistência de relação cambiária para justificar a emissão de duplicata para cobrança de royalties. Titulo inexigível. Sentença de procedência parcial. Aplicação do art. 252 do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça. Sentença mantida. Apelo improvido. Dispositivo: negam provimento ao recurso. (TJ-SP - Apelação nº 1003160-18.2014.8.26.0554, 19ª Câmara de Direito Privado. Relator: Ricardo Negrão, Data de Julgamento: 09/11/2015, Publicado em 26/11/2015).

Com efeito, como não há permissão legal para emitir duplicata mercantil, ou boleto bancário em substituição desta, no tocante aos royalties, muito menos para efetuar o protesto de tal título, recomenda-se ao franqueador, a fim de não vir a ter problemas jurídicos, socorrer-se de outro caminho para validamente cobrar o franqueado.

Daniel Dezontini, advogado e sócio fundador do escritório Dezontini Sociedade de Advogados, pós-graduado na área de direito processual civil pela PUC/SP, especialista em direito contratual pelo Centro de Extensão Universitário (CEU) e ampla experiência na área de franchising locações e direito contratual. Contato: daniel@dezontiniadvogados.com.br; Site: www.dezontiniadvogados.com.br.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

CONTRATO DE FRANQUIA: O PREJUÍZO POR SI SÓ NÃO PODE SER ATRIBUÍDO AO FRANQUEADOR



O contrato de franquia é celebrado para perdurar por anos, de forma que o empresário que deseja se tornar franqueado de uma rede não pode se precipitar na concretização do negócio.

O interessado em obter uma franquia deve, antes de concretizar o tão sonhado negócio, solicitar uma cópia da Circular de Oferta de Franquia (COF), do pré-contrato (se existente) e do contrato de franquia, documentos esses que por força de lei devem ser facilitados pelo franqueador, e efetuar cuidadosa leitura desta documentação, contando, se possível, com o auxílio de um profissional, preferencialmente, especializado no setor de franchising que lhe ajudará a: (a) sanar eventuais dúvidas; (b) antever os seus direitos e obrigações contratuais e legais; e (c) exigir que todas as promessas que lhe forem feitas pelo franqueador nas negociações, ou seja, na fase pré-contratual, sejam também formalizadas por escrito.

Mas não é só, há outras precauções básicas que necessitam ser tomadas pelo candidato a franqueado, a saber:

  1. Não se deixar levar pela primeira impressão nem por aparente "prestígio" do franqueador; 
  2. Comprar um guia de franquias, e consultar a Associação Brasileira de Franchising (ABF) e outros portais na internet sobre franquias; 
  3. Avaliar a solidez da marca que lhe será franqueada; 
  4. Ter em mente que as etiquetas, certificados, selos de excelência e/ou outros títulos obtidos pelo franqueador não garantem nada; 
  5. Ter dinheiro de sobra e tomar cuidado com as taxas cobradas pelo franqueador, uma vez que para evitar contratempos deve haver prévia avaliação do total de capital disponível para investir no negócio e de todas as taxas decorrentes do sistema de franquia desejado (geralmente: taxa inicial de franquia, royalties e fundo de publicidade), recomendando-se que se invista inicialmente até 50% (cinquenta por cento) do valor total de recursos disponíveis, uma vez que, logo que iniciadas as atividades comerciais, surgirá a necessidade de uma sobra (capital de giro) para conseguir sustentar o negócio enquanto este não se consolida financeiramente; 
  6. Escolher bem o ponto comercial onde o negócio se desenvolverá; 
  7. Seguir a Legislação (Lei de Franquia 8.955/94 e Código Civil) e toda a Documentação fornecida pelo franqueador; 
  8. Fazer sempre um “plano de negócio”, pois, além de uma relação de franquia nascer como já dito para perdurar por anos, não bastará montar o negócio, será preciso participar ativamente deste, já que o franqueador não fará tudo, e atentar-se ao fato de que não é qualquer pessoa que tem perfil para se tornar franqueado; 
  9. Verificar se há relação de efetiva “parceria” com o franqueador; e 
  10. Procurar preferencialmente um ramo que tenha afinidade.

E tudo isso, porque a relação de franquia caracteriza-se como um contrato empresarial que possui os riscos inerentes à modalidade, não havendo a garantia de que o negócio franqueado será realmente rentável e próspero, dependendo o sucesso deste dos mais variados fatores, tal como a necessidade do mercado, a localização do ponto comercial, a situação econômica do país e da região explorada e, principalmente, a administração do franqueado, uma vez que no sistema de franchising há entre as partes total independência administrativa e financeira.

A unidade franqueada não é uma filial ou sucursal da franqueadora, não há vínculo societário e empregatício entre as partes contratantes, tratando-se de uma relação entre empresários autônomos, de tal modo que se pode afirmar com todas as letras que "o contrato de franquia não constitui nenhuma garantia de sucesso e rentabilidade, cabendo ao franqueado via de regra suportar os prejuízos advindos do negócio".

Mais do que isso, como tal relação contratual se dá, repita-se, entre empresários autônomos, não há que se falar em relação de consumo, tanto que o franqueado comercializa os produtos e/ou serviços que recebe do franqueador a fim de obter lucro, revelando que estes mesmos produtos e/ou serviços são o cerne da atividade econômica explorada e têm como destinatário final exclusivamente os consumidores do negócio franqueado, regulando-se, assim, a avença de franquia por uma legislação própria, qual seja, a Lei nº 8.955/94 e, suplementarmente no que esta for omissa, pelo Código Civil.

Como se pode perceber, o contrato de franquia visa, em tese, proporcionar vantagens para ambas as partes contratantes, ao franqueador que consegue ampliar a oferta dos seus produtos ou serviços no mercado, sem que seja necessário instalar filiais do seu estabelecimento para que tal resultado seja alcançado, e ao franqueado que ingressa em um ramo de atividade, geralmente, já sólido no mercado e conhecido dos consumidores, cabendo-lhe administrar bem o seu negócio.

Contudo, é óbvio que para que seja possível colher todos estes frutos, o contrato de franquia deve, por outro lado, possuir cláusulas detalhadas e claras sobre o negócio entabulado e aos direitos e deveres das partes contratantes, bem como espelhar a Circular de Oferta de Franquia (COF) entregue anteriormente ao franqueado, quando este ainda era mero candidato.

Em outros termos, as informações primordiais sobre todos os aspectos que envolvem a atividade empresarial de franquia a ser desempenhada devem estar explícitas na avença, assim como os valores e percentuais necessários para a adesão à rede de franquia, o valor do investimento inicial e dos gastos com propaganda, treinamentos e material de apoio e a forma como será dado o suporte ao franqueado no decorrer da relação contratual.

Presentes tais características na relação de franquia desenvolvida, é correto dizer que o prejuízo "por si só" não pode ser atribuído ao franqueador. 

Apenas o prejuízo não serve de fundamento para responsabilizar o franqueador pelo insucesso do negócio franqueado. Para que o franqueador seja responsabilizado há a necessidade de se comprovar: (a) a prática por parte deste de ato ilícito, de abuso, ou de descumprimento do contrato de franquia celebrado entre as partes; e (b) o nexo de causalidade entre a conduta lesiva por este praticada e o resultado negativo proporcionado ao negócio franqueado.

E não há como ser de outro modo, pois, diferentemente do que muitos empresários pensam, o franqueado não está desincumbido "do ônus de provar a verdade dos fatos que atribui ao franqueador", ou seja, o franqueado tem de "necessariamente convencer o juiz da sua verdade", já que "o juiz julga sobre questões de fato com base no que é aduzido pelas partes e efetivamente provado no processo".

Nesse sentido, posicionam-se os Tribunais pátrios, conforme se pode deduzir dos recentes julgados que seguem adiante:


Apelação nº 1095436-09.2013.8.26.0100, julgada pela1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo. O julgamento foi realizado em 11 de março de 2015 e teve a participação dos Exmos. Desembargadores Fortes Barbosa (Relator). Claudio Godoy e Pereira Calças;

Apelação Cível nº 2012.070971-0, oriunda da Comarca de Joinville, Florianópolis, e julgada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em 17 de março de 2015, que teve como Desembargador Relator Luiz Fernando Boller; e

Apelação Cível nº 2012.072865-5, oriunda da Comarca de Joinville, Florianópolis, e julgada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em 27 de janeiro de 2015, que teve como Desembargador Relator Altamiro de Oliveira.

Apelação nº 0201464-23.2010.8.26.0100, oriunda da Comarca de São Paulo julgada pela 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo. O julgamento foi realizado em 10 de abril de 2015 e teve a participação dos Exmos. Desembargadores José Reynaldo (Presidente), Ricardo Negrão e Araldo Telles (Relator);

Com efeito, ausente a comprovação da culpa exclusiva do franqueador pelo insucesso do negócio franqueado, não há como responsabilizá-lo pelo prejuízo oriundo deste resultado negativo, o qual deverá ser suportado pelo franqueado.

Daniel Dezontini, advogado e sócio fundador do escritório Dezontini Sociedade de Advogados, pós-graduado na área de direito processual civil pela PUC/SP, especialista em direito contratual pelo Centro de Extensão Universitário (CEU) e ampla experiência na área de franchising locações e direito contratual. Contato: daniel@dezontiniadvogados.com.br; Site: www.dezontiniadvogados.com.br.